Me. Rodrigo do Santos
𝐎 𝐍𝐞𝐬𝐭𝐨𝐫𝐢𝐚𝐧𝐢𝐬𝐦𝐨[1]
Nestório nasceu por volta de 381 na Síria. Durante a juventude, mudou-se para Antioquia, onde morou em um mosteiro, exercendo as funções de monge e de sacerdote sob a supervisão de Teodoro de Mopsuéstia[2]. Em 427 foi nomeado Bispo de Constantinopla. Porém, começou a condenar uma devoção popular muito difundida entre os monges e os fiéis em geral: a devoção a Maria como Mãe de Deus (Theotókos)[3]. Muitas vezes – cremos que as heresias, como é o caso dessa crítica de Nestório, é iniciada como um erro primário e não o é. O Bispo de Constantinopla, ainda não tinham um fundamento ulterior da doutrina para dar satisfação plena sobre a verdade de fé, a questão das “naturezas” ou “pessoas” de Cristo, a humana e divina.
Pregava que Maria era Mãe de Cristo (Christotókos), e proibia que se afirmasse ser ela Mãe do Homem Jesus Cristo (anthropotókos) para evitar o perigo do adopcionismo[4], já condenado no século III. No fundo, Nestório estava fazendo Teologia para entender a posição da humanidade de Jesus e de sua divindade, já declaradas em Nicéia e Constantinopla, e aferir aos títulos que a Virgem Maria já recebia entre as comunidades de fé[5].
Nestório, por sua vez, defendia a tese de que, se Deus era imutável, seria impossível haver uma união substancial hipostática de duas naturezas perfeitas: a divina e a humana. Ele alegava que, em vez de haver uma integração hipostática absoluta, a união entre o filho de Deus e o filho do homem era explicada pelos seguintes conceitos: “união de habitação” (o Logos veio à Terra e habitou no corpo de Jesus); “união de afeição” (a relação entre Deus e Jesus seria como a de dois amigos); “união de operação” (o Logos teria se servido da humanidade de Jesus para cumprir seu propósito); e “união de graça” (a união só seria possível por meio da graça)[6].
Nestório dizia que o Lógos habitava na humanidade de Jesus, como um homem se acha num templo. Haveria *duas pessoas* em Jesus [o que veio a ser a condenação como erro teológico, porque Jesus é uma única pessoa, com duas naturezas) mas Nestório insistia – uma pessoa divina e outra pessoa humana. Assim, Nestório, tentava mostrar o homem Jesus Cristo, em toda sua concretude com que o apresentam os evangelhos, sem que com isso se negue o fato de que Jesus Cristo seja Deus. O problema aqui é a unidade e a identidade em Jesus Cristo. Por sua parte, Nestório propõe uma unidade de caráter moral e acidental, pela qual o homem Cristo hospedaria o Verbo como num templo. Em suma, os vocábulos Theotókos e Christotókos, por mais semelhantes que pareçam entre si, encobriam duas posições cristológicas diferentes.
Assim o Concílio definiu:
“Afirmamos, que, embora as duas naturezas sejam diferentes uma da outra, elas se uniram em verdadeira união, de tal modo que de ambas resultam uma só – Cristo e Filho. Isto não quer dizer que desapareceu a diferença das naturezas por causa da união, mas, sim, que a Divindade e a humanidade, por um misterioso concurso em prol da unidade, constituem um só Senhor e Cristo… Não se diga que num primeiro momento nasceu da Santa Virgem um homem, no qual, num segundo momento, desceu o Verbo. Mas, sim, afirmamos que desde o seio materno, o Verbo se uniu à carne humana, de tal maneira que tornou sua a geração carnal. E assim os Santos Padres não hesitaram em chamar Theotókos (Mãe de Deus) a Santa Virgem. Isto não significa que a natureza do Verbo ou a sua Divindade tenha tido origem no seio da Santa Virgem, mas, sim, que foi gerado por ela o corpo santo, animado e racional, ao qual se uniu segundo a pessoa, o Verbo; em conseqüência, este foi gerado segundo a carne”[7].
[…]
“Confessamos que nosso Senhor Jesus Cristo, Filho único de Deus, é Deus perfeito e homem perfeito, (composto) de alma racional e corpo, gerado pelo Pai antes dos séculos segundo a Divindade, e nos últimos dias por nós e pela nossa salvação. Nascido da Virgem Maria segundo a natureza humana. Ele é consubstancial com o Pai por sua Divindade, e é consubstancial conosco por sua humanidade. Já que havia a união das duas naturezas, confessamos um só Senhor e um só Cristo e um só Filho. Visto que compreendemos esta união realizada sem confusão de uma parte com a outra, confessamos que a Santa Virgem é *Theotókos (Mãe de Deus)*, pois o Verbo de Deus se encarnou e se fez homem, e, desde o momento de sua concepção, uniu a Si o corpo que dela assumiu”.
Ainda é de notar que a fé cristológica ortodoxa tomou um cunho mariano em Éfeso; a expressão Theotókos não é apenas louvor a Maria, mas serviu para significar a autêntica noção de Encarnação do Verbo. S. Cirilo chegava mesmo a afirmar que, para confessar de maneira reta e fiel a fé católica, é preciso “proclamar a Theotókos e reconhecer a santa Virgem”. O reconhecimento da Maternidade Divina de Maria implicaria uma súmula de toda a fé cristã, como, aliás, se pode comprovar num estudo mais detido de Mariologia.
Nas Palavras de S. Cirilo de Alexandria,
A Palavra de Deus (…) foi gerada de alguma forma inefável (para além de toda compreensão) (…) concebida como o próprio Deus gerador, pois é por isso que ele também é chamado Filho de Deus (…). Ele foi feito, portanto, homem, passando por um nascimento segundo a carne por meio de uma mulher; mas, por causa de sua assunção, a virgem santa acabou se unindo a ele na verdade: por essa razão que se diz que a virgem santa é Theotókos, pois esta forneceu a ele um corpo carnal e uma sabedoria humana (…) Portanto, o verbo era Deus, mas também se fez homem, uma vez que Ele nasceu segundo a carne, em virtude da natureza humana, por meio de Theotókos[8].
𝐃𝐮𝐚𝐬 𝐜𝐨𝐧𝐜𝐥𝐮𝐬õ𝐞𝐬 – (𝟏) 𝐀 𝐅𝐞𝐬𝐭𝐚 𝐝𝐞 𝐌𝐚𝐫𝐢𝐚 𝐌ã𝐞 𝐝𝐞 𝐃𝐞𝐮𝐬, é 𝐞𝐯𝐢𝐝𝐞𝐧𝐭𝐞𝐦𝐞𝐧𝐭𝐞 𝐮𝐦𝐚 𝐬𝐨𝐥𝐞𝐧𝐢𝐝𝐚𝐝𝐞 𝐜𝐫𝐢𝐬𝐭𝐨𝐥ó𝐠𝐢𝐜𝐚. 𝐎 𝐃𝐨𝐠𝐦𝐚 𝐝𝐞𝐟𝐞𝐧𝐝𝐞 𝐚 𝐮𝐧𝐢𝐝𝐚𝐝𝐞 𝐭𝐞â𝐧𝐝𝐫𝐢𝐜𝐚 𝐝𝐞 𝐂𝐫𝐢𝐬𝐭𝐨, 𝐞 𝐚𝐨 𝐦𝐞𝐬𝐦𝐨 𝐭𝐞𝐦𝐩𝐨, 𝐫𝐞𝐧𝐨𝐯𝐚 𝐚 𝐜𝐨𝐦𝐩𝐫𝐞𝐞𝐧𝐬ã𝐨 𝐝𝐞 𝐜𝐨𝐧𝐬𝐮𝐛𝐬𝐭𝐚𝐧𝐜𝐢𝐚𝐥𝐢𝐝𝐚𝐝𝐞 𝐝𝐚 𝐝𝐮𝐩𝐥𝐚 𝐧𝐚𝐭𝐮𝐫𝐞𝐳𝐚. (𝟐) 𝐄𝐬𝐭𝐞 𝐝𝐨𝐠𝐦𝐚 𝐦𝐚𝐫𝐢𝐚𝐧𝐨, 𝐩𝐨𝐩𝐮𝐥𝐚𝐫𝐦𝐞𝐧𝐭𝐞 𝐝𝐢𝐭𝐨 𝐧𝐚 𝐟é 𝐜𝐫𝐢𝐬𝐭ã, é – 𝐞𝐦 𝐯𝐞𝐫𝐝𝐚𝐝𝐞 – 𝐮𝐦𝐚 𝐚𝐩𝐨𝐥𝐨𝐠𝐢𝐚 𝐝𝐚 𝐝𝐢𝐯𝐢𝐧𝐝𝐚𝐝𝐞 𝐝𝐞 𝐂𝐫𝐢𝐬𝐭𝐨.
[1] Cf. Notas da 9ª aula de Cristologia, sob a orientação do Pe. Marcelo Chelles, da Arquidiocese de Niterói (RJ), Paroquia Nossa Senhora da Assunção. In: http://www.pnsassuncao.org.br/images/curso-de-teologia/iii-semestre/ix-cristologia-pe-marcelo.pdf – Acesso em 02/01/2022.
[2] ALTANER, Berthold & STUIBER, Alfred., (1966), Patrologia: vida, obras e doutrinas dos padres da Igreja. São Paulo: Paulinas, pp. 338.
[3] Maria recebeu o nome de “Theotókos”, palavra grega que diz exatamente “Mãe de Deus”. Nesse concílio, o de Éfeso (431), o título de “Christotókos” pregado pelos defensores da doutrina segundo a qual Maria não seria a Mãe do Cristo-Deus, mas apenas do Cristo-Homem, foi recusado e condenado, cedendo espaço ao título de Mãe de Deus. In: https://www.a12.com/academia/artigos/theotokos-a-mae-de-deus (Acesso em 02/01/2022).
[4] O adocionismo foi a teoria de que Cristo era um simples homem sobre o qual desceu o Espírito de Deus. Originou-a um mercador de couro bizantino chamado Teodoto, que a trouxe até Roma em torno do ano 190. Teodoto sustentava que até o seu batismo Jesus viveu a vida de um homem ordinário, com a diferença, porém, que havia sido um homem supremamente virtuoso. O Espírito, ou Cristo, então desceu sobre Ele, e a partir daquele momento operou milagres sem, entretanto, tornar-se divino. Mais tarde, alguns dos seguidores de Teodoto admitiram que após sua ressurreição Jesus teria sido deificado. Teodoto foi excomungado pelo Papa S. Vitor, mas a partir daí seus seguidores provavelmente passaram a suspeitar que a ortodoxia pregava a crença em dois Deuses, pois, segundo Novaciano, presbítero de Roma naquela época, afirmavam que – “Se o Pai é um e o Filho é outro, e se o Pai é Deus e Cristo é Deus, então não há um só Deus, mas há dois Deuses simultaneamente colocados, o Pai e o Filho”.
[5] FRANGIOTTI, Roque., (1995), História das heresias (séculos I-VII): conflitos ideológicos dentro do cristianismo. São Paulo: Paulus, pp. 128.
[6] HARDY, Edward., (1954), Christology of the Later Fathers. Philadelphia: The Westminster Press, pp. 32.
[7] DS, 250 – 251. In: DENZINGER, Heinrich., (2007), Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. Traduzido com base na 40ª edição alemã (2005) aos cuidados de Peter HÜNERMANN, por † José Marino Luz e Johan Konings, São Paulo: Paulinas/Loyola – (edição original).
[8] CYRILLI ALEXANDRINI. “Scholia de Incarnatione Unigeniti”, 28, 2. In: SCHWARTZ, E. (trad.). Acta Conciliorum Ecumenicorum, v. 4. Berlim; Leipzig, 1914-82.