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Quaresma: Um tempo favorável.

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“Que não seja mais uma!”

Prof. Me. Rodrigo dos Santos

(PUC-SP/SEE-SP)

  1. O TEMPO
    Este tempo denominado como Quaresma é tido como um momento “forte” de espiritualidade na vida da Igreja. E é exatamente por ela quer preparar os fiéis para a Páscoa, para a celebração central da fé cristã[1]. Assim o sendo, a Igreja nos convida a uma mudança de vida (metanóia), esforço, comprometimento com os ensinamentos do Evangelho. Em 1999, dentre várias possibilidades de partilha, escolhi a de São João Paulo II, que disse:

 

[A] a Quaresma é o tempo favorável para manifestar ao Senhor sincera gratidão pelas maravilhas realizadas a favor do homem em todas as épocas da história e, em particular, na Redenção para cuja realização não poupou o seu próprio Filho (cf. Rm 8, 32)[2].

 

  1. TRÍADE QUARESMAL
    Assim, ao refletirmos sobre a tríade quaresmal: (*) o jejum, (*) a oração e a (*) caridade, creio que devemos rever sua etimologia, seu sentido prático e teológico, bem como as contradições anuais que vivemos ou vivenciamos. Exatamente isso, há inúmeras incoerências cometidas por muito tempo entre nós, muitas vezes, por nós mesmos. Vejamos o seguinte: o que adianta fazer jejum e esmorecer, passar mal, ou indicar aos outros que está fazendo. O jejum é um conselho evangélico de crescimento espiritual e não um motivo de grito em mutirão! Se contamos pra todo mundo que não estamos comendo isso, bebendo aquilo, fazendo qualquer coisa habitual, mas que no fundo continuo o mesmo, a mesma? O que mudo se o meu jejum é de aparência? Em Audiência Geral, em 9 de março de 2011, na Sala São Paulo VI, Bento XVI afirmou

 

[N] na tradição cristã, o jejum está ligado estreitamente à esmola. São Leão Magno ensinava num dos seus discursos sobre a Quaresma: «Aquilo que cada cristão deve realizar em todos os tempos, agora deve praticá-lo com maiores solicitude e devoção, para que se cumpra a norma apostólica do jejum quaresmal, que consiste na abstinência não apenas dos alimentos, mas também e sobretudo dos pecados. Além disso, a estes jejuns obrigatórios e santos, nenhuma obra pode ser associada mais utilmente que a esmola que, sob o único nome de “misericórdia”, inclui muitas obras boas. Imenso é o campo das obras de misericórdia. Não só os ricos e abastados podem beneficiar os outros com a esmola, mas também quantos vivem em condições modestas e pobres. Assim, desiguais nos bens de fortuna, todos podem ser iguais nos sentimentos de piedade da alma» (Discurso 6 sobre a Quaresma, 2: PL 54, 286). Na sua Regra pastoral, são Gregório Magno recordava que o jejum se torna santo através das virtudes que o acompanham, sobretudo da caridade e de cada gesto de generosidade, que confere aos pobres e aos necessitados o fruto de uma nossa privação (cf. 19, 10-11)[3].

 

Em síntese, o jejum é um ato de despojamento. É retirar a capa, é mudar, deixar de fazer algo que nos faz mal. Assim, se algo que pratico faz mal a mim e aos meus, eu devo é parar de fazer isso! O que me faz jejuar é um estímulo para que nossa vida realmente mude e se torne melhor. Assim, não importa se o exercício vai ser jejuar alimento ou outro tipo de jejum… o resultado deve ser a diminuição de nossa soberba, a mudança de nossa vida pra melhor!

 

  1. REZAR
    Destarte, em outro ponto da vida quaresmal, podemos lembrar de gente que reza o dia todo, e, contudo, não reza. Que premissa mais comprometedora. Rezar é um ato muito sútil e simples. Simples no sentido medieval, como algo muito complexo, tal qual a definição de Deus! Assim sendo, quando rezamos, o fazemos a Deus, e o Senhor Jesus que nos ensinou a rezar – em segredo e no quarto, disse que Deus acolherá nossas súplicas. Precisa desenhar este ensinamento? Claro como o sol! Não adianta andar com terço no bolso, pendurado, fazer caras e bocas de santidade se teu coração não está em sintonia com Deus. É no íntimo que Deus nos conhece, que sabe realmente quem somos! A consciência é o “locus” por excelência da manifestação de Deus. No Concílio Vaticano II, na Gaudium et Spes podemos ler

 

No fundo da própria consciência, o homem descobre uma lei que não se impôs a si mesmo, mas à qual deve obedecer; essa voz, que sempre o está a chamar ao amor do bem e fuga do mal, soa no momento oportuno, na intimidade do seu coração: faze isto, evita aquilo. O homem tem no coração uma lei escrita pelo próprio Deus; a sua dignidade está em obedecer-lhe, e por ela é que será julgado. A consciência é o centro mais secreto e o santuário do homem, no qual se encontra a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir na intimidade do seu ser. Graças à consciência, revela-se de modo admirável aquela lei que se realiza no amor de Deus e do próximo. Pela fidelidade à voz da consciência, os cristãos estão unidos aos demais homens, no dever de buscar a verdade e de nela resolver tantos problemas morais que surgem na vida individual e social. Quanto mais, portanto, prevalecer a reta consciência, tanto mais as pessoas e os grupos estarão longe da arbitrariedade cega e procurarão conformar-se com as normas objetivas da moralidade. Não raro, porém, acontece que a consciência erra, por ignorância invencível, sem por isso perder a própria dignidade. Outro tanto não se pode dizer quando o homem se descuida de procurar a verdade e o bem e quando a consciência se vai progressivamente cegando, com o hábito do pecado[4].

 

Há – em meu ver – um “novo pecado rodeando” a Igreja, aliás, muito perigoso, que é o de ser “escutador ispum de Deus”… ou seja, Deus me revela tudo o que há na comunidade, nos eventos, sejam litúrgicos ou não. Tem-se visto muito isso nas mídias mais carismáticas. A questão a princípio não é se Deus cura e salva ou se revela, mas o cuidado que deve haver com este tipo de audição. Deve-se verificar se é Deus mesmo que está falando ou o seu/nosso ego? Por fim, sugiro (3) pai nossos todos os dias, um cedo, outro à tardinha e outro à noite, que é o suficiente em razão mínima para ser um bom cristão! O Catecismo da Igreja nos orienta

 

«Para mim, a oração é um impulso do coração, é um simples olhar lançado para o céu, é um grito de gratidão e de amor, tanto no meio da tribulação como no meio da alegria»[5]

 

Enfim,

 

«A oração é a elevação da alma para Deus ou o pedido feito a Deus de bens convenientes». De onde é que falamos, ao orar? Das alturas do nosso orgulho e da nossa vontade própria, ou das «profundezas» (Sl 130, 1) dum coração humilde e contrito? Aquele que se humilha é que é elevado. A humildade é o fundamento da oração. «Não sabemos o que havemos de pedir para rezarmos como deve ser» (Rm 8, 26). A humildade é a disposição necessária para receber gratuitamente o dom da oração: o homem é um mendigo de Deus[6].

 

  1. CARIDADE.
    Terzo tema da Quaresma e ponto fundamental do Cristianismo de Jesus. Quem não ama, não conhece a Deus (I Jo 4,7-8ss). Se uma pessoa, diz o apóstolo diz que ama Deus e não ama o próximo – é um mentiroso! Assim, o amor é o gabarito de quem vive o Cristianismo. Sem amor, sem perdão não há vida em Deus, não há discipulado de Jesus. Amar, como resultado de uma vida na graça, é ainda e sobretudo, o critério do juízo final, onde o Senhor vai nos questionar – deu de comer, deu beber, visitou, foi próximo, etc. (Cf. Mt 25,32ss). O amor é o critério… Então, vivamos, pois com e no amor. Não é fácil, mas é o mandamento do Senhor … amai-vos uns aos outros, … permanecei em mim, … amai como eu vos amei (Jo 13-14). Para concluir, o Santo Padre, o Papa Francisco, afirmou em Roma, na Igreja de São João de Latrão, na Memória litúrgica do bispo São Martinho, 11 de novembro de 2021, o site do Vaticano nos recomenda como mensagem para a Quaresma deste ano de 2022

 

Não nos cansemos de fazer o bem, através duma operosa caridade para com o próximo. Durante esta Quaresma, exercitemo-nos na prática da esmola, dando com alegria (cf. 2 Cor 9, 7). Deus, «que dá a semente ao semeador e o pão em alimento» (2 Cor 9, 10), provê a cada um de nós os recursos necessários para nos nutrirmos e ainda para sermos generosos na prática do bem para com os outros. Se é verdade que toda a nossa vida é tempo para semear o bem, aproveitemos de modo particular esta Quaresma para cuidar de quem está próximo de nós, para nos aproximarmos dos irmãos e irmãs que se encontram feridos na margem da estrada da vida (cf. Lc 10, 25-37). A Quaresma é tempo propício para procurar, e não evitar, quem passa necessidade; para chamar, e não ignorar, quem deseja atenção e uma boa palavra; para visitar, e não abandonar, quem sofre a solidão. Acolhamos o apelo a praticar o bem para com todos, reservando tempo para amar os mais pequenos e indefesos, os abandonados e desprezados, os discriminados e marginalizados (cf. Enc. Fratelli tutti, 193)[7].

 

Bibliografia

 

– CALDEIRA, R. Coppe. O Concílio Vaticano II: apontamentos bibliográficos para um estudo historiográfico. In: Perspectiva Teológica, Belo Horizonte, Ano 43, n. 120, p. 211-226, Mai/Ago 2011.

– Mensagem do Papa João Paulo II para a Quaresma de 1999, Vaticano, 15 de outubro de 1998., In: https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/messages/lent/documents/hf_jp-ii_mes_19011999_lent-1999.html – em 0/03/2022.

– Audiência Geral do Papa Bento XVI, em oportunidade a quarta-feira de cinzas em 2011. https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/audiences/2011/documents/hf_ben-xvi_aud_20110309.html – Acesso em 02/03/2020.

– RATZINGER, Joseph; MESSORI, Vittorio. A fé em crise? O cardeal Ratzinger se interroga. Tradução Fernando José Guimarães. São Paulo: E.P.U., 1985. 154 p. Título original: Rapporto sulla fede

– DOCUMENTOS DO CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II (1962-1965). São Paulo: Paulus, 1997. 733p.

– CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, promulgado por João Paulo II, Papa. Tradução Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. São Paulo: Loyola, 1983.

– SANTA TERESA DO MENINO JESUS, Manuscrit C, 25r: Manuscrits autobiographiques (Paris 1992). [Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face, Obras Completas (Paço de Arcos, Edições do Carmelo 1996) pp. 276].

– SÃO JOÃO DAMASCENO, Expositio fidei, 68 [De fide orthodoxa 3, 24]: PTS 12, 167 (PG 94, 1089).

– SANTO AGOSTINHO, Sermão 56, 6, 9: ed. P. Verbraken: Revue Bénédictine 68 (1958) 31 (PL 38, 381).

 

 

[1] Cf. Mensagem do Papa João Paulo II para a Quaresma de 1999, Vaticano, 15 de outubro de 1998., In: https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/messages/lent/documents/hf_jp-ii_mes_19011999_lent-1999.html – em 0/03/2022. (§2) – “O itinerário quaresmal prepara-nos para a celebração da Páscoa de Cristo, mistério da nossa salvação. Antecipação deste mistério é o banquete que o Senhor celebra com os seus discípulos na Quinta-feira Santa, oferecendo-Se a Si próprio sob os sinais do pão e do vinho. Na celebração eucarística, como escrevi na Carta Apostólica Dies Domini, «atualiza-se a presença real, substancial e constante do Senhor ressuscitado, (…) e oferece-se aquele pão da vida que é penhor da glória futura» (n. 39).

[2] Cf. Mensagem do Papa João Paulo II para a Quaresma de 1999, Ibidem.

[3] Cf. Audiência Geral do Papa Bento XVI, em oportunidade a quarta-feira de cinzas em 2011. https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/audiences/2011/documents/hf_ben-xvi_aud_20110309.html – Acesso em 02/03/2020. Para aprofundar – RATZINGER, Joseph; MESSORI, Vittorio. A fé em crise? O cardeal Ratzinger se interroga. Tradução Fernando José Guimarães. São Paulo: E.P.U., 1985. 154 p. Título original: Rapporto sulla fede.

[4] Gaudium et Spes, nº 16, In: DOCUMENTOS DO CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II (1962-1965). São Paulo: Paulus, 1997. 733p.

[5] CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA – §2558, Cf. ainda – Santa Teresa do Menino Jesus, Manuscrit C, 25r: Manuscrits autobiographiques (Paris 1992) pp. 389-390. [Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face, Obras Completas (Paço de Arcos, Edições do Carmelo 1996) pp. 276].

[6] Cf. Ibidem, com citações internas – São João Damasceno, Expositio fidei, 68 [De fide orthodoxa 3, 24]: PTS 12, 167 (PG 94, 1089); Cf. Lc 18, 9-14; Cf. Santo Agostinho, Sermão 56, 6, 9: ed. P. Verbraken: Revue Bénédictine 68 (1958) 31 (PL 38, 381).

[7] Mensagem do Papa Francisco por ocasião da 4ª feira de cinzas e o tempo da Quaresma de 2022, In: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/lent/documents/20211111-messaggio-quaresima2022.html – Acesso em 02/03/2020.

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